Por Carolina Gonçalves Pires
O patologista, um profissional que em um passado próximo era ausente nos centros cirúrgicos veterinários, no presente é cada dia mais encontrado e mais indispensável, principalmente durante as cirurgias oncológicas. Patologista no centro cirúrgico e durante o procedimento cirúrgico? Sim, esses obstinados profissionais estão participando ativamente do ato cirúrgico, não somente diagnosticando após a cirurgia, mas também contribuindo diretamente no planejamento, no transcurso e desfecho cirúrgico.
E como é realizado esse procedimento no transcirúrgico, e no que difere do convencional? A biópsia realizada no transcirúrgico ocorre de forma um pouco diferente do rotineiro em bloco de parafina. Para conseguir as lâminas histológicas, através das quais o profissional analisa as diferentes lesões teciduais, o patologista de rotina faz uso do bloco de parafina. Esse processo se faz após o ato cirúrgico e demora em média de 3 a 7 dias entre a fixação do material em formol, seguida de todo o processamento para que a lâmina histológica esteja em mãos para a análise e confecção do laudo. Já na biopsia no transcirúrgico o patologista faz uso da técnica de congelação tecidual, com todo o processamento e diagnóstico ainda durante a cirurgia. O primeiro relato dessa técnica para diagnostico de rotina foi realizado pelo Dr. Louis B. Wilson na Clínica Mayo em 1905. Em Medicina Veterinária há relatos dessa técnica em estudos experimentais e rotina entre os anos de 2000 -2001.

O papel do patologista então começa conjuntamente com o cirurgião, anestesista e demais profissionais da equipe, no planejamento, antes do ato cirúrgico. No centro cirúrgico, após a retirada da peça a ser analisada, no caso de suspeita de neoplasia, por exemplo, a mesma tem as margens cirúrgicas identificadas, e posteriormente é entregue ao patologista que procede com a avaliação macroscópica que consiste na mensuração da peça, análise da coloração, consistência, superfície e aspecto entre outros. Essas informações são de extrema importância para o auxilio do diagnóstico. Após o corte da peça, o patologista posiciona os fragmentos na base do micrótomo portátil ou do criostato de chão, para congelação e corte do fragmento de interesse. As frações micrométricas do tecido ainda congelado são então inseridas em uma lâmina histológica previamente tratada, que serão posteriormente coradas com Azul de Toluidina (ou outros corantes histológicos de interesse) e finalmente montadas com meio de inclusão e lamínula. Com a lâmina pronta em mãos o patologista procede com a análise histopatológica do caso em questão. Análise histopatológica em si inicia-se com a caracterização da natureza da lesão diferenciando os processos entre lesões inflamatórias, degenerativas e neoplásicas. A partir daí direciona-se o desenlace cirúrgico. Nos casos inflamatórios e degenerativos (não neoplásicos) na maioria dos casos a cirurgia é finalizada. Quando se trata de moléstias neoplásicas, o patologista ainda diferencia os casos benignos dos malignos, e se existe a necessidade de ampliação de margens cirúrgicas. A partir das informações fornecidas na análise histopatológica no transcirúrgico, é que o cirurgião (oncologista) irá traçar a melhor conduta para o caso em questão. O procedimento total com a avaliação do nódulo e suas margens cirúrgicas demora rotineiramente entre 10-20 minutos, tempo significantemente menor, quando comparado à análise de rotina em bloco de parafina. Isso dá ao oncologista agilidade e segurança frente à conduta no pós-cirúrgico. Fatos importantes a se mencionar aqui são que biopsia no transcirúrgico:
- Evita cirurgias repetidas devido a margens cirúrgicas comprometidas em casos oncológicos. A análise no transcirúrgico propicia o conhecimento sobre a extensão da lesão e possíveis comprometimentos ainda durante a cirurgia. Isso evita o término da cirurgia com margens comprometidas (quando isso é possível anatomicamente), e consequentemente esquiva-se de novo ato cirúrgico para reparação de margens. Atenta-se ainda que nos casos de impossibilidade em se alcançar as margens livres por alguma complicação cirúrgica, o cirurgião toma conhecimento do comprometimento e extensão no transcirúrgico. Essa informação ajuda na escolha da melhor conduta terapêutica e pós-cirúrgico frente ao exposto e desta forma também evita uma nova cirurgia desnecessária;
- Confere diminuição do tamanho do retalho cirúrgico e também da resposta metabólica ao estresse associado ao ato cirúrgico. Sabemos que quanto maior o retalho cirúrgico, maior a resposta do organismo ao estresse proporcionado pelo ato cirúrgico. Assim, quando se sabe ainda durante a cirurgia, a total extensão da lesão, pode-se diminuir o tamanho das margens e em consequência do retalho cirúrgico em si, o que também ajuda no momento da sutura e pós-cirúrgico;
- Torna oportuna a análise de linfonodos sentinelas e metástases para outros órgãos. Ainda durante o ato cirúrgico pode-se proceder à retirada de fragmentos de órgãos alvo e linfonodos na busca de metástases, direcionando desta forma a conduta terapêutica no pós-cirúrgico;
- Possibilita a identificação e avaliação de crescimentos satélites. Algumas neoplasias produzem crescimentos envoltos ao nódulo principal, que podem ser imperceptíveis a olho nu. Porem ainda durante o procedimento cirúrgico é possível de se identificar esses crescimentos e assim direcionar a conduta do oncologista.
E embora possa parecer uma inovação diagnóstica recente, o procedimento de congelação e diagnóstico já vem sendo utilizada amplamente na Medicina Humana há muitos anos. O CVAP começou a oferecer esse serviço como rotina em 2011 e já realiza mais de 200 procedimentos ao ano. Importante relatar aqui, que todos os diagnósticos realizados no transcirúrgico, são posteriormente confirmados ou retificados através da análise histopatológica convencional em bloco de parafina. A análise transcirúrgica possui 98% de acuracidade, segundo estudos realizados em levantamentos de Medicina humana. Realizado estudo interno no CVAP conseguiu-se acuracidade semelhante.
E então? Vamos utilizar essa fantástica ferramenta?
- Wilson LB. (1905). “A method for the rapid preparation of fresh tissues for the microscope.”. J Am Med Assoc 45: 1737.
- https://cristianesegatto.blogosfera.uol.com.br/2019/06/05/e-cancer-ou-nao-e-no-centro-cirurgico-com-o-patologista-que-salva-vidas/