Por Alessandra Maria Dias Lacerda
Características clínicas
Pênfigo foliáceo é uma doença autoimune bolhosa incomum que afeta epiderme e folículos pilosos. O principal autoantígeno envolvido na doença em cães e humanos é a Desmogleína 1, mas outros antígenos podem estar envolvidos, sendo esses componentes presentes nos desmossomos das camadas superficiais da epiderme e folículos pilosos.
O mecanismo exato da formação das vesículas e bolhas não é esclarecido, mas sabe-se que a perda da coesão intercelular resulta em acantólise e desenvolvimento dessas lesões superficiais.

Uma doença pênfigo-foliáceo-símile pode acontecer em reações a drogas, e o termo deve ser aplicado quando os sinais clínicos, histopatológicos e imunológicos mimetizam a doença de ocorrência natural – essa reação cessa quando a droga desencadeante é descontinuada. Quando os sinais permanecem após o desuso da droga, o termo pênfigo foliáceo induzido por drogas é melhor utilizado. Essas lesões relacionadas a drogas geralmente ocorrem após a administração de vários antibióticos, como trimetoprim/sulfonamidas e cefalexina – em gatos pode ser induzido por uso de metilmazol. Caso as características clínicas, histopatológicas e imunológicas destoem das lesões do pênfigo natural o termo reação a drogas pustular superficial é mais apropriado.
O desenvolvimento das pústulas superficiais transientes se dá em ondas, podendo ser únicas (2 a 6 mm de diâmetro) ou coalescentes, e variam de coloração, desde translúcidas, acinzentadas, até amareladas. Algumas pústulas podem se estender até os folículos pilosos, causando a protrusão dos pelos. Alguns animais sem lesões evidentes podem desenvolver subitamente dezenas de pústulas. As pústulas rapidamente progridem para formação de crostas aderentes e intensamente esfoliativas – essas crostas esfoliativas são as lesões clínicas mais comuns no pênfigo foliáceo. Alopecia é variável e eritroderma generalizado pode ser observado. Quando a lesão se dá nos coxins de cães é característico o edema eritematoso das margens com formação de crostas e hipertrofia vilosa, podendo exibir uma descoloração esbranquiçada quando há presença de uma pústula subcórnea intacta. Prurido é observado em menos da metade dos cães afetados. Em gatos, em contraste aos cães, as lesões são geralmente mais brandas – as pústulas e vesículas originam lesões crostosas amareladas muito rapidamente.
Os locais mais comuns no cão de aparecimento das lesões são focinho dorsal, plano nasal, pina auricular, pele periorbital e coxins – as lesões nos coxins variam consideravelmente na intensidade, mas estão quase sempre presentes. Lesões no tronco são também variáveis, mas podem ser difusas, sendo lesões bilaterais simétricas comuns e marcantes. Ocasionalmente as lesões podem ser predominantemente confinadas à face e coxins, sendo subclassificada em uma variante clínica distinta como “pênfigo foliáceo predominantemente facial” – essa variante é mais observada nas raças Chow chow e Akita.

O pênfigo foliáceo canino geralmente acomete animais de meia idade, com média de 4 anos – cerca de dois terços dos cães desenvolvem as lesões antes ou até 5 anos de idade, sem predileção sexual. Em gatos não são observadas predileções (sexo, raça, idade). Alguns casos podem ocorrer como consequência de doença cutânea inflamatória crônica.

O principal diferencial clínico de pênfigo foliáceo é a foliculite bacteriana superficial – pústulas penfigoides tendem a serem maiores e de contorno irregular, enquanto as pústulas da foliculite bacteriana são geralmente mais circulares. Pênfigo também pode se assemelhar visualmente a outras doenças crostosas, pustulares e esfoliativas, como a dermatofitose pustular superficial ou folicular, lúpus eritematoso, demodiciose, dermatose responsiva a zinco, adenite sebácea e linfoma epiteliotrópico. A simetria bilateral e desenvolvimento em ondas/periódico observadas no pênfigo foliáceo são características diferenciadoras importantes. O pênfigo foliáceo induzido por drogas pode ser indistinguível, assim como outras reações a drogas pustulares podem parcialmente se assemelhar.

Sítio de coleta
Devido à natureza transiente das lesões iniciais, recomenda-se a coleta rápida de pústulas e vesicopústulas, já que o diagnóstico histopatológico das lesões crostosas posteriores podem não ser específicas. Se apenas essas lesões crostosas estão disponíveis para a coleta recomenda-se entrar em contato com o laboratório de análise para então incluir quaisquer crostas dissociadas. Os locais adjacentes às pústulas podem ser representados para realização de imunofluorescência direta ou exame imunohistoquímico.

Histopatologia

Fonte: Arquivo CVAP.
As lesões histopatológicas típicas do pênfigo foliáceo são as pústulas subcórneas ou intragranulares em uma epiderme variavelmente acantótica. Inflamação pustular folicular pode ocorrer. As pústulas são compostas por neutrófilos e, frequentemente, eosinófilos – apresentam queratinócitos acantolíticos (células individualizadas, arredondadas e intensamente eosinofílica) em número variável.

Fonte: Arquivo CVAP.
Pela natureza transiente das lesões, essas pústulas e acantólise podem não ser representadas nas amostras biopsiadas; o diagnóstico pode estão ser demonstrado pela presença de queratinócitos degenerados livres nas crostas, o que deve ser diferenciado de lesões espongióticas que podem apresentar crostas similares.

Fonte: Arquivo CVAP.
O pênfigo foliáceo predominantemente facial é um processo inflamatório de maior profundidade, frequentemente envolvendo a toda a parede dos folículos pilosos (pênfigo panfolicular). Similarmente as pústulas podem ser observadas em toda a extensão da epiderme e não só superficialmente. A acantólise também é mais proeminente nessa forma de pênfigo, particularmente na epiderme profunda ou parede folicular.
Já a variante induzida por drogas geralmente é indistinguível histologicamente. Algumas lesões podem mimetizar a apoptose transepidérmica vista em eritema multiforme.
As lesões em coxim geralmente exibem pústulas degeneradas e crostas aprisionadas em camadas grossas e densas de hiperqueratose ortoqueratótica ou focalmente paraqueratótica. Os queratinócitos acantolíticos são facilmente observados nessas lesões, pois as camadas de queratina são mais difíceis de romper, o que ajuda a proteger a integridade das pústulas.
A inflamação dérmica é mista, superficial, perivascular a intersticial e acompanha edema, ectasia vascular e congestão. Os neutrófilos e eosinófilos são geralmente proeminentes, em permeio a menor quantidade de macrófagos, linfócitos e plasmócitos. Nos gatos os eosinófilos podem ser ausentes ou esparsos; a predominância de neutrófilos é característica no pênfigo foliáceo felino. As lesões predominantemente em face (focinho dorsal e plano nasal) geralmente exibem uma inflamação dérmica liquenoide (em banda) com dano de interface mínimo ou ausente.
Os principais diagnósticos diferenciais de pênfigo foliáceo incluem impetigo bolhoso, reações a drogas pustulares superficiais e dermatofitose pustular superficial – a diferenciação clínica é sempre necessária.
A presença de lesões combinadas de dermatite de interface e pustular superficial caracterizam uma variante rara do pênfigo foliáceo: pênfigo eritematoso.

Referências
Texto adaptado – Skin Diseases of the Dog and Cat: Clinical and Histopathologic Diagnosis. Thelma Lee Gross, Peter J. Ihrke, Emily J. Walder, Verena K. Affolter, 2 Ed 2005.
Tratado de Medicina Externa – Dermatologia Veterinária. Carlos Eduardo Larsson; Ronaldo Lucas. Interbook, 2016.