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Peritonite Infecciosa Felina (PIF)

Por M. V. Caio Fernando Monteiro Gimenez

A peritonite infecciosa felina (PIF) é uma doença imunomediada, desencadeada pela infecção das formas mutadas do coronavírus felino, que acomete gatos geralmente com menos de 3 anos de idade, com prevalência em animais entre 4 a 16 meses.

O vírus da PIF surge através de uma mutação específica no coronavírus entérico felino (FECV), entretanto, uma pequena porção dos gatos expostos a essa mutação desenvolverão a doença, que ainda não existe vacina eficaz.

O FECV está onipresente em fezes de gatos saudáveis do mundo inteiro. A transmissão do vírus ocorre pelo contato feco-oral com fezes e/ou fômites contaminados.

A PIF ganha maiores dimensões em locais com grande quantidade de animais, como acumuladores de animais e gatis, pois estes ambientes se tornam estressantes para os animais – fator que promove queda na resistência imunológica do gato, e favorecem a transmissão devido ao maior contato desses animais com as fezes de animais contaminados.

Para que a PIF se desenvolva, irá depender da intensidade da resposta imune celular do gato. Acredita-se que a resposta imune celular é a única eficiente contra a progressão da doença. Presume-se que a forma efusiva da PIF decorra da fraca resposta imune celular associada a forte resposta imune humoral, já na PIF seca ocorre resposta imune celular fraca associada à resposta humoral parcial.

Gatos com boa resposta imune celular podem apresentar infecção considerada subclínica, tornando-se portadores assintomáticos, inclusive podem se recuperar da infecção.

Quanto mais forte a resposta humoral, maior será a depleção das células T, o que faz com que a doença se agrave, pois a redução dessas células tem relação direta com a replicação do vírus. Portanto, devido à grave imunodepressão causada pela depleção dos linfócitos T, o prognóstico é considerado ruim e a mortalidade é extremamente alta. Geralmente os animais acometidos vêm a óbito em cerca de 10 dias.

A PIF pode apresentar-se de duas maneiras clínicas: a forma efusiva e a forma não efusiva, sendo a forma efusiva a apresentação mais comumente observada.

A forma efusiva é caracterizada por polisserosite fibrinosa, devido a derrames cavitários. Nota-se severa distensão abdominal devido à efusão abdominal. A efusão pleural é observada em 25% dos pacientes acometidos e pode provocar dispneia; há relatos de tamponamento cardíaco devido à efusão, entretanto, é raro. Alterações oculares e de sistema nervoso central são raras nessa forma. De toda forma, o líquido drenado é considerado um exsudato, exibe aspecto viscoso, coloração variando de pálida a intensamente amarelada, por vezes contendo material floculado disperso e fibrina (Figura 1). Vale ressaltar que menos de 50% dos gatos com derrames são devido à PIF.

Figura 1 – PIF efusiva. Lesão clássica de pleurite fibrinosa. Fonte: UZAL, F. A.; PLATTNER, B. L.; HOTETTER, 2016.

A forma não efusiva (seca) é caracterizada doença crônica e frequentemente desenvolvem sinais específicos em órgãos acometidos por lesões vasculares, como doenças oculares; desordens do sistema nervoso central – como ataxia, paraparesia, head-tilt, inclinação de cabeça, nistagmo e alteração de comportamento; falência renal; insuficiência hepática ou pancreática; diarreia devido à colite ulcerativa. Observam-se piogranulomas compostos por macrófagos e neutrófilos, linfócitos e ocasionalmente plasmócitos, agregados ao redor de vasos acometidos (vasculite e perivasculite) (Figura 2). As células inflamatórias chegam da corrente sanguínea como resultado da regulação de proteínas de adesão e seus receptores. Os piogranulomas estão fortemente associados a edema e efusão, contendo altos teores de proteína, rico em proteínas plasmáticas, produtos resultantes da degradação da hemoglobina, bem como proteínas inflamatórias e fatores de coagulação. Gatos com PIF seca frequentemente apresentam, ainda, lesões oculares, predominantemente alterações na retina, coriorretinite, hemorragia associada ou não a deslocamento da retina.

Figura 2 – Fragmento de sistema nervoso central. Observam-se piogranulomas compostos por macrófagos e neutrófilos, linfócitos e ocasionalmente plasmócitos, agregados ao redor de vasos acometidos (vasculite e perivasculite). Fonte: AFIP, 2015.

Citologicamente o líquido obtido das efusões é claro de coloração amarelo-palha, moderadamente turvo, de consistência viscosa, frequentemente com fibrina, apresenta alto índice proteico (próximo ao nível sérico ou até mesmo superior), densidade entre 1,017 e 1,047 e uma quantidade razoável de células (500-5000 μL), composto por macrófagos, neutrófilos e linfócitos em menor quantidade.

A dificuldade em alcançar o diagnóstico definitivo da PIF resulta da inespecificidade dos sinais clínicos e das alterações hematológicas e bioquímicas, bem como da falta de exames confirmatórios não invasivos em gatos que não apresentam derrames e baixa sensibilidade e especificidade dos testes diagnósticos disponíveis na rotina clínica. A análise histopatológica é a técnica mais apropriada para se chegar ao diagnóstico definitivo da PIF, entretanto, a sua realização in vivo não é recomendada.

O teste de Rivalta tem como finalidade diferenciar as efusões por PIF e efusões ocasionadas por outras doenças. A reação é positiva na PIF, devido à alta concentração de proteínas, fibrina e mediadores inflamatórios contidas na efusão. Esse teste apresenta alto valor positivo preditivo (86%) e valor negativo preditivo mais alto ainda (97%). O teste pode ser positivo em animais com peritonite bacteriana ou linfoma, entretanto, são facilmente diferenciados pela análise citológica do líquido (figura 3).

Figura 3 – Teste de Rivalta positivo. Fonte: LEVY; HUTSELL, 2018.

O CVAP realiza de rotina o teste de Rivalta e análise citológica das efusões, durante a necropsia de gatos com efusões, desde que não tenham sido congelados.

 

REFERÊNCIAS

AFIP In: JPC Systemic pathology nervous system, abr. 2017, v.17. Disponível em: http://www.askjpc.org/vspo/show_page.php?id=alh2R3lxaEdWUjR4bnBKdC9hQnNpQT09. Acesso em 9 abr. 2019.

LEVY, J. K.; HUTSELL, S. Overview of Feline Infectious Peritonitis. Merck manual veterinary manual, [S. l.], 2018. Disponível em: https://www.merckvetmanual.com/generalized-conditions/feline-infectious-peritonitis/overview-of-feline-infectious-peritonitis. Acesso em: 9 abr. 2019.

PEDERSON, N. C. An update on feline infectious peritonitis: Diagnostics and therapeutics. The Veterinary Journal. 2014, p.133-141. http://dx.doi.org/10.1016/j.tvjl.2014.04.016

PEDERSON, N. C. An update on feline infectious peritonitis: Virology and immunopathogenesis. The Veterinary Journal. 2014, p.129-132. http://dx.doi.org/10.1016/j.tvjl.2014.04.017.

RECHE JUNIOR, A.; ARENA, M. N. Coronavírus felino. In: JERICÓ, M. M.; ANDRADE NETO, J. P.; KOGIKA, M. M. Tratado de medicina interna em cães e gatos. Rio de Janeiro: Roca, p.826-835, 2015.

UZAL, F. A.; PLATTNER, B. L.; HOTETTER, J. M. Alimentary system: Infectious and parasitc diseases of the alimentary tract. In: MAXIE, M. G. Jubb, Kennedy, anda Palmer’s. Pathology of domestic animals. 6. ed. St. Louis: Elsevier, 2016. cap. 1, p. 3-257. v. 2.